Página inicial > Português > América Latina > BRASIL - Eleições: Os mesmos resultados porém uma outra política (por (...)

BRASIL - Eleições: Os mesmos resultados porém uma outra política (por Marilza de Melo Foucher)

terça-feira 7 de novembro de 2006, postado por Marilza de Melo Foucher

No mês de dezembro de 2002 ainda curtindo a vitória do PT e de Lula, irradiava alegria e inquietudes e naquela ocasião eu me expressava em linguagem um pouco poética:

O que eu levarei como bagagem de vida para 2003?

De certeza levarei a teimosia dos seres utópicos,

Onde o imaginário é uma dimensão essencial do real.

Levarei a esperança que é possível construir um novo mundo;

Levarei champanha, vinho francês da melhor cepa para com Lula brindar a vitória e a nova vida;

Levarei para o senado brasileiro, para os deputados a ética e o ideal belo da democracia;

Levarei para o futuro governo do Brasil uma vacina anticorrupção;

Levarei a memória dos compromissos assumidos durante a eleição;

Levarei a certeza de que cada brasileiro terá orgulho e dignidade de pertencer a essa Nação;

Levarei um símbolo novo para nossa bandeira: Justiça Social e Progresso!

Levarei a convicção da co-responsabilidade, dos direitos do ser cidadão;

Levarei para os desencantados da vida o direito de ser feliz;

Levarei o desejo de continuar sonhando num futuro melhor de meu país;

Levarei a imagem da criança brasileira bem alimentada sorrindo para um futuro melhor;

Levarei a inquietude, a tristeza para conviver com a alegria!

Hoje, quase quatro anos depois, minhas frases escritas com tanta emoção continuam válidas. O resultado das eleições foi praticamente o mesmo, o Presidente Lula foi reeleito com mais de 60 % de votos e minha alegria se renova, porém minhas inquietudes continuam, pois a expectativa de mudanças esbarra-se sempre na mesma questão que fiz aos companheiros (as) do PT em 2002: ganhamos as eleições, mas não temos o poder, mas deixarei essa reflexão para mais tarde.

Uma vitória com grande valor simbólico.

Ressalto que essa vitória tem um valor simbólico distinto, ela representa a confraternização da força de um povo tolerante que constrói na luta o florescer do amanhã como uma nova civilização, mestiça, tropical, orgulhosa de si mesmo; somos uma civilização mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorporam em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra, como tão bem descreveu o antropólogo saudoso Darcy Ribeiro.

O resultado dessa grande vitória é um belo exemplo demonstrativo de que as teses de apartheid, nunca germinarão em solo brasileiro. Sem rancor o povo brasileiro festejou sua vitória e ofereceu ao Presidente Lula, um belo presente de aniversario: o amanhã com janelas abertas para o nascente, pois a vida vale a pena, apesar do enorme desafio que representa a construção de um Brasil mais justo, em que todos se sintam incluídos aproveitando de suas riquezas e progresso socioeconômico, indiferente da cor de sua pele, de sua religião, de sua convicção política, de sua categoria social e sexo.

Vale destacar o papel fundamental da maioria dos internautas brasileiros nessas eleições, eles ocuparam o espaço do debate político que a grande imprensa esvaziou. Contribuíram para despertar o interesse pela política nacional, promovendo e assegurando uma campanha política de qualidade, tendo em vista a ameaça de instabilidade política instigada pela grande imprensa num clima de delação permanente, que poderia ter levado aos eleitores ao desinteresse total pela política. A grande mídia perdeu a ocasião de aproveitar do período eleitoral para aprofundar as discussões sobre o que se quer como projeto de desenvolvimento e de governabilidade para o Brasil.

Felicitações a todos e todas que contribuíram com inúmeros artigos, com reflexões sobre a conjuntura política (nacional e internacional), econômica, social, ambiental que circularam de norte ao sul do Brasil e atravessaram mares e oceanos. Isto foi profundamente salutar para contrapor o baixo nível de analise política que predominou na grande imprensa brasileira. A preocupação principal dos donos dos grandes jornais brasileiros e da empresa Globo e seus associados era de colocar o Presidente Lula como o principal responsável pelos escândalos de corrupção existente no país, o único objetivo era desacredita-lo face à opinião publica. O anti-lulismo dos patrões dos grandes meios de comunicações foi contraditório com o discurso fabricado em defesa da moralidade publica, tendo em vista a falta de ética jornalística caracterizada pela notória parcialidade das linhas editoriais e no tratamento dos comentários políticos. O estudo feito pelo Observatório da Mídia do Brasil para verificar a imparcialidade dos colunistas políticos no período de 6 de julho a 29 de setembro chega a conclusão que dos 14 investigados (Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Globo, Jornal do Brasil e Correio Brasilense), somente um colunista deu um tratamento neutro com relação ao Presidente Lula, este recebeu o destaque principal de manchetes dos jornais com todas matérias negativas!

Felizmente muitos cidadãos e cidadãs internautas fomentaram o debate e reflexão sobre o projeto de sociedade que eles queriam, transformaram a Internet num instrumento pedagógico de democratização da informação, criaram seus blogs, socializaram suas analises, travaram um embate ideológico e reforçaram os valores da esquerda democrática brasileira. Para mim que vivo há quase 30 anos na França fico gratificada com desenvoltura de meus compatriotas no exercício da cidadania política. Bravo! Com se diz aqui na França!

Em artigo publicado em alguns “sites” na França ( DIAL/ Alter info A.Latina e Brasil (Observatório da Imprensa, Conversa Fiada) uma semana antes das eleições, eu dizia que a grande derrotada dessas eleições seria a grande mídia brasileira. Um dos motivos dessa fragrante derrota foi justamente por não ter medido a capacidade intelectual dos internautas brasileiros espalhados nos diversos rincões do Brasil, que reagiram de forma pertinente à cada investida irresponsável da grande mídia, desfazendo as amalgamas, denunciando as tentativas de teses de discriminação social e racial veiculada por certos colunistas e pela revista Veja. A vigilância “cidadana” cumpriu um papel cívico primordial, uma bela vitória da democracia participativa.

Ganhamos as eleições mas não temos o poder.

As expectativas de mudanças reais para o Brasil são prometedoras, todavia continuamos praticamente confrontados ao mesmo dilema de 2002: ganhamos as eleições mas não temos o poder, as alianças costuradas naquela ocasião para ganhar as eleições não garantia confiabilidade, tratava-se de uma aliança heteróclita, com políticos defensores do status quo "do dando é que se recebe", acostumados a abusar da maquina administrativa do Estado. Impossível com tais aliados na câmara e no senado, conseguir votar as reformas estruturais que o Brasil necessitava. Esse mal-estar estragava um pouco o brilho da vitória de 2002. E hoje? Será que os erros cometidos servirão de lição? Acredito que as condições de credibilidade dada pelo povo brasileiro permite ao governo Lula de realizar uma verdadeira reforma política a fim de poder assegurar a governabilidade democrática.

Entretanto, a reforma política não terá impacto imediato, temos um país de tradição conservadora e com um Estado Elitista, daí a necessidade de reforçar uma aliança entre o Estado e a sociedade civil, estabelecendo um elo entre a democracia representativa e democracia participativa. O que estar em jogo agora é a governabilidade democrática pautada num plano territorial integrado, solidário e sustentável de desenvolvimento, onde os cidadãos e cidadãs são protagonistas e não passivos face ao seu futuro, engajados de modo conscientes e críticos na construção de um outro Brasil.

Para isso é necessário ter uma estratégia de participação popular, para pressionar os eleitos do povo na câmara e no senado a cumprirem com seus mandatos conforme as regras republicanas e que eles(as) votem as reformas de interesse coletivo, em prol de um desenvolvimento com inclusão social. O segundo mandato de Lula não pode novamente ficar prisioneiro das correntes fisiológicas presentes na câmara e no senado, habituados com a cultura da corrupção, onde o “dando é que se recebe" virou jargão da normalidade de convivência política brasileira, que infelizmente há séculos foi se enraizando nas esferas do poder.

Todos os ministérios devem agir de forma mais articulada e em “concertação” com os setores organizados da sociedade civil. Há muitos anos que esses atores locais representativos se mobilizam para influenciar na gestão de políticas públicas no Brasil. Eles trabalham localmente e são articulados nacionalmente e às vezes no plano internacional, atuando na defesa de uma democracia mais participativa, no resgate da ética na política, na luta pelo respeito aos direitos humanos, na defesa de um serviço público de qualidade. São eles os protagonistas por um desenvolvimento integrado e sustentável, por uma economia solidária, por um comércio mundial eqüitativo, por meio ambiente saudável. Esses grupos de pressão não querem assumir o papel do Estado e nem destruir o Estado. Eles querem contribuir com o Estado na construção de um novo Brasil. Eles estão capacitados ao exercício da cidadania política e agem na defesa de interesses coletivos. Será com eles e com um parlamento honesto que o governo Lula poderá edificar um novo modo de governar.

Nossa jovem democracia necessita de um novo dinamismo, permitindo aos setores organizados da sociedade civil uma maior participação política onde os cidadãos e cidadãs possam ter um controle social sobre a condução política, cultural, econômica, social e ambiental do país.

Somos varias cabeças pensantes para construir a utopia do possível. Uma estrela que brilha sozinha não tem a mesma beleza de uma constelação.

Marilza de Melo Foucher

Dra. em Economia

Consultora Internacional

Endereço: 12 Rue Chanzy

78220 Viroflay

Virofaly - França

As opiniões expressas nos artigos e comentários são da exclusiva responsabilidade dos respectivos autores e não representam, necessariamente, as opiniões da redacção de AlterInfos ou de Dial. Comentarios injuriosos o insultantes serán borrados sin previo aviso.

Uma mensagem ou comentário?

moderação a priori

Este fórum é moderado a priori: a sua contribuição só será exibida após ser validada por um administrador do site.

Quem é você?
Sua mensagem

Para criar parágrafos, basta deixar linhas em branco.